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terça-feira, 24 de março de 2009

A Lógica Dialética - Um estudo mais detalhado

LÓGICA DIALÉTICA
INTRODUÇÃO


Etimologicamente, dialética vem do grego dia, que expressa a idéia de “dualidade”, “troca” (dia= entre) e lektikós , “apto à palavra”, “capaz de falar”. É a mesma raiz de logos (palavra, razão) e, portanto, se assemelha ao conceito de diálogo. No diálogo, há mais de uma razão que entram em contato.
A palavra dialética tomou vários sentidos ao longo da história, mas aqui a tomaremos no sentido que tomou a partir do século XIX com Hegel.
A lógica aristotélica baseia-se nos princípios de identidade e de não-contradição, fundamentais para a concepção metafísica do mundo, típica da filosofia antiga. Enquanto a metafísica utiliza moções abstratas e absolutas, explicando a realidade estática a partir de suas essências imutáveis, a lógica dialética parte do princípio de contradição, segundo o qual a realidade é essencialmente processo, mudança, devir.
O que teria determinado a passagem da concepção de um mundo estático – que podia ser explicado apenas pelo movimento local, e cujo modelo por excelência é o relógio – para uma nova concepção dinâmica?
A partir do século XVIII, três grandes descobertas científicas contribuíram para isso:

- a descoberta da célula – todos os órgãos animais e vegetais, sendo constituídos por células, tem uma unidade estrutural que se torna cada vez mais complexa.
- A descoberta da lei da conservação e transformação da energia (calor, eletricidade, magnetismo, energia química, etc) – a energia não pode ser criada nem destruída, mas sim convertida e transformada de uma forma em outra. Por ex. a energia mecânica é transformada em calor pelo choque e atrito; o calor das caldeiras é transformado em energia mecânica.
- A evolução das espécies – a teoria de Darwin a respeito da origem das espécies vegetais e animais, segundo o qual os seres vivos aparecem como conseqüência do desenvolvimento e transformação através dos tempos.

Estas descobertas mostram que o mundo é transformação. Tudo muda, a própria história muda. Os homens estão constantemente inventando novos instrumentos de trabalho, mudam a ordem social, mudam a si mesmos. O velho é sempre substituído pelo novo, e cada coisa, ao nascer, já tem em si o germe das sua destruição. Portanto, não há “coisas acabadas”, mas um complexo de processos onde tudo só é estável na aparência.

CARACTERÍSTICAS DA DIALÉTICA

Para Engels, “a dialética é a ciência das leis gerais do movimento, tanto do mundo externo quanto do pensamento humano”.
A dialética é a estrutura contraditória do real, que no seu movimento constitutivo passa por três fases: a tese, a antítese e a síntese. Ou seja, o movimento da realidade se explica pelo antagonismo entre o momento da tese e o da antítese, cuja contradição deve ser superada pela síntese. Eis os três momentos:
> identidade: tese
> contradição ou negação: antítese
> positividade ou negação da negação: síntese

Para melhor entender o processo, vejamos o que Hegel diz a respeito do verbo alemão aufheben. Essa palavra quer dizer, em primeiro lugar, “suprimir”, “negar”, mas também a entendemos no sentido de “conservar”. Aos dois sentidos, acrescenta-se um terceiro, o de “elevar a um nível superior”.
Esclarecendo com exemplos: quando começo a esculpir uma estátua, estou diante de uma matéria-prima, a madeira, que depois é negada, isto é, destruída na sua forma natural, mas ao mesmo tempo conservada, pois a madeira continua existindo como matéria, só que modificada, elevada a um objeto qualitativamente diferente, uma forma criada. Portanto, o trabalho nega a natureza, mas não a destrói, antes a recria.
Da mesma forma, se enterramos o grão de trigo, ele morre (dá-se a negação do trigo); desaparece como grão para que a planta surja como espiga; produzido o grão, a planta morre. Esse processo não é sempre idêntico, pois podem ocorrer alterações nas plantas, resultantes do aparecimento de qualidades novas (evolução das espécies).
Segundo a concepção dialética, a passagem do ser ao não-ser não é aniquilamento, destruição ou morte pura e simples, mas movimento para outra realidade. A contradição faz com que o ser suprimido se transforme.
Além da contraditoriedade dinâmica do real, outra categoria fundamental para entender a dialética é a de totalidade, pela qual o todo predomina sobre as partes que o constituem. Isto significa que as coisas estão em constante relação recíproca, e nenhum fenômeno da natureza ou do pensamento pode ser compreendido isoladamente fora dos fenômenos que o rodeiam. Os fatos não são átomos, mas pertencem a um todo dialético e como tal fazem parte de uma estrutura.

PRINCÍPIOS OU LEIS DA DIALÉTICA:

1º) Tudo se relaciona (princípio da totalidade)
Para a dialética a natureza se apresenta como um todo coerente onde objetos e fenômenos são ligados entre si, condicionando-se reciprocamente. O método dialético leva em conta essa ação recíproca e examina os objetos e fenômenos buscando entendê-los numa totalidade concreta.

2º) Tudo se transforma (princípio do movimento)
A dialética considera todas as coisas em seu devir. O movimento é uma qualidade inerente a todas as coisas. A natureza, a sociedade não são entidades acabadas, mas em contínua transformação, jamais estabelecidos definitivamente, sempre inacabados”. A causa desse movimento constante, da transformação é a luta interna que faz parte da natureza. É a “lei da negação ou ultrapassagem”. Há a negação da afirmação e depois a negação da negação prevalecendo uma síntese.

3º) Unidade e luta dos contrários ( princípio da contradição)
A transformação das coisas só é possível porque no seu próprio interior coexistem forças opostas tendendo simultaneamente à unidade e à oposição. É o que se chama contradição, que é universal, inerente a todas as coisas materiais e espirituais. A contradição é a essência ou a lei fundamental da dialética.”
Esses princípios (ou leis) podem ser aplicados tanto à matéria, como à sociedade humana e aos nossos próprios conhecimentos.

Por isso podemos subdividir a dialética em 3 níveis:

1) a Dialética da natureza: independente da ação do homem, objetiva.
2) a Dialética da história: de princípio objetiva mas onde irrompe um projeto humano, no caso do proletariado.
3) a Dialética do conhecimento: dialética sujeito-objeto, resultado de uma interação constante de objetos a serem conhecidos e a ação de sujeitos que procuram conhecer.

Marx:
“É mister, sem dúvida, distinguir, formalmente, o método de exposição do método de pesquisa. A investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento, e de perquirir a conexão íntima que há entre elas. Só depois de concluído esse trabalho, é que se pode descrever, adequadamente, o movimento real. Se isto se consegue, ficará espelhada, no plano ideal, a vida da realidade pesquisada, o que pode dar a impressão de uma construção a priori.” (O Capital, p. 16)

Henri Lefèbvre: Marx “ao estudar uma determinada realidade objetiva, analisa, metodicamente, os aspectos e os elementos contraditórios desta realidade (considerando, portanto, todas as noções antagônicas então em curso, mas cujo teor ninguém ainda sabia discernir). Após ter distinguido os aspectos ou os elementos contraditórios, sem negligenciar as suas ligações, sem esquecer que se trata de uma realidade, Marx reencontra-a na sua unidade, isto é, no conjunto do seu movimento.”

“Através do método dialético o fenômeno ou coisa estudada deverá apresentar-se ao leitor de tal forma que ele o apreenda em sua totalidade. Para isso são necessárias aproximações sucessivas e cada vez mais abrangentes. Isso o tornará acessível.”

Henri Lefèbvre apresenta as seguintes “regras práticas do método dialético”:

1) Dirigir-se à própria coisa, por conseguinte, análise objetiva.
2) Apreender o conjunto das conexões internas da coisa, de seus aspectos, o
desenvolvimento e o movimento da coisa.
3) Apreender os aspectos e momentos contraditórios; a coisa como totalidade e
unidade dos contraditórios.
4) Analisar a luta, o conflito interno das contradições, o movimento, a tendência
(o que tende a ser e o que tende a cair no nada).
5) Não esquecer de que tudo está ligado a tudo; e que uma interação
insignificante, negligenciável porque não essencial em determinado momento,
pode tornar-se essencial num outro momento ou sob outro aspecto.
6) Não esquecer de captar as transições; transições dos aspectos e contradições;
passagens de uns nos outros, transições no devir.
7) Não esquecer de que o processo de aprofundamento do conhecimento -
que vai do fenômeno à essência e da essência menos profunda à mais profunda -
é infinito. Jamais está satisfeito com o obtido.
8) Penetrar, portanto, mais fundo do que a simples coexistência observada;
penetrar sempre mais profundamente na riqueza do conteúdo, apreender
conexões e o movimento.
9) Em certas fases do próprio pensamento, este deverá se transformar, se superar:
modificar ou rejeitar sua forma, remanejar seu conteúdo - retomar seus
momentos superados, revê-los, repeti-los, mas apenas aparentemente, com o
objetivo de aprofundá-los mediante um passo atrás rumo às suas etapas
anteriores e, por vezes, até mesmo rumo ao seu ponto de partida, etc.”


LÓGICA FORMAL E LÓGICA DIALÉTICA

A lógica dialética não faz desaparecer a lógica formal. Esta continua existindo no âmbito das correlações imediatas que partem da observação direta dos fatos ou quando atingimos as leis pelo método experimental. Então, explicamos o mundo pela causalidade linear, características do mundo mecânico típico da ciência clássica.
A lógica formal se torna insuficiente quando é preciso passar para um grau superior de generalidade, onde existem as categorias de totalidade e de relações recíprocas.
Com o progresso da física, o pensamento científico se volta para os fenômenos relacionados com a estrutura íntima da matéria, os quais não mais são explicados pelas relações clássicas da causalidade formal. O mesmo ocorre com os fenômenos das outras ciências, que introduzem a idéia de processo. É aí exatamente que a lógica formal se torna insuficiente, devendo ser substituída.
Entretanto, em outro aspecto, a lógica formal continua sendo válida: enquanto a produção da idéia é dialética, sua expressão é sempre formal. “O que é pensado dialeticamente tem de ser dito formalmente, pois se acha subordinado às categorias da linguagem, que são formadas por força de sua constituição social, de sua função como instrumento criado pelo homem para a comunicação com os semelhantes.” (Álvaro Vieira Pinto)

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